sexta-feira, 27 de maio de 2011

Saudade não é Viver no Passado.





SAUDADE   NÃO É  VIVER  NO PASSADO.


Saudade não é tristeza, nem viver no passado ou tentar revive-lo ( o que passou não se vive de novo, jamais). Saudade é lembrança, e sem lembrança é impossível viver, assim como não se vive  sem  sonhos e sonhos realizam-se no presente e no futuro. Assim, ter saudades é ser feliz, é ter o que contar aos amigos e parentes queridos. Sofrimentos todos temos e teremos sempre, pois a vida , mesmo não sendo um vale de lágrimas, também não é um mar de rosas, misturando-se num amálgama de momentos que nos atingem de maneiras distintas, alegres e felizes, ou tristes e pesarosos,  estes também inafastáveis, por mais dolorosos que possam se mostrar e nos ferir, até porque, “ quem,   quem passou pela vida e não sofreu, foi espectro de homem, não foi homem , só passou pela vida, não viveu”.  
Aproveitando Vinícius , quando a gente nasce começa a morrer. E cada dia vivido é, na verdade um dia a menos e o que vejo, o que percebo, é que o pavor da viagem sem regresso, vai nos deixando mais preocupados e, por isso mesmo, mais próximos da divindade, das Igrejas, dos escritos religiosos. Não sei bem o que acontece comigo, porque está sucedendo exatamente o contrário: cada dia sinto-me mais distante das crenças religiosas de minha infância, quando minha querida mãe, fervorosa e dedicada crista, lia a Bíblia em casa e  nos convencia de sua “verdade” , com uma fé que se mostrou inquebrantável ao longo dos seus 92 anos de plena lucidez  e trabalho constante na elaboração de flores , pinturas , costuras para os filhos e para o  marido que lhe sobreviveu por mais 5 anos. Tenho saudades dessas momentos.
Tenho saudades de minha infância jogando bola de gude com as outras crianças na rua de terra, ou empinando arraias ( pipas), nas tarde de domingo e disputando quem conseguia pegar aquelas que era “cortadas “ e se perdiam nos volteios ao sabor dos ventos.
Saudades das brincadeiras sem conta em torno da estação de trens  , sempre com as roupas domingueiras ( embora os trens nunca  chegasse aos domingos); saudades de ouvir o  rádio que funcionava com bateria de carro e só podia ouvir à noite porque a recarga da bateria era difícil, tinha que procurar na cidade com os poucos proprietários de caminhão, quem ia viajar para carregar a bateria, ou ficar sem rádio mesmo até achar um amigo com disponibilidade para ajudar.
Saudade da  quermesse na praça nos dias de festa da Igreja e de minha mãe zangada com meu pai ( que só fazia sorrir e se divertir), quando as moças o “prendiam” numa roda e cobravam uma prenda para solta-lo. Saudades do “correio elegante” nesses dias alegres, quando “alguém” mandava  dizer a “alguém que está de saia azul  e  blusa branca” , que a ama e quer “voltar”; saudades do pau de sebo, da  “cabra cega” , quando um garoto tentava acertar um grande jarro de barro  com um pedaço de madeira e quando o quebrava de lá saiam um gato desesperado, muitas cinzas, mas também alguns brinquedos e muitos bom-bons; e das zangas  e castigos de minha mãe quando chegava em casa todo sujo de terra e de cinzas  e sem nada nas mãos  ( jamais consegui pegar um único bom-bom..)  mas muito me divertia.
Saudades das  brigas com os outros meninos,  das roupas rasgadas, para desespero de minha mãe,  cabeça quebrada, pernas e braços ralados, nariz sangrando.
Saudades de ler As viagens de Guliver e dos livros de Monteiro Lobato, da sujeira da tinta de escrever que derramava nos livros , nos cadernos e nas fardas do colégio para desespero da professora e de minha saudosa mãe.
Saudades, muitas saudades, alicerces de nossas vidas, não são o reviver do passado  pois, como disse, o que passou, passou. Mas não existimos sem passado, sem  sustentação do que fomos e vivemos, como não vivemos sem sonhos que são o presente e o futuro.

Salvador, 18 de fevereiro de 2010.

EBC.


SAUDADE  DO  FUTURO


O querer bem é gratuito, não custa nada. Querer bem envolve , naturalmente, o amor sob todas as suas manifestações ( amor fraternal, amor paternal, amor/amizade, amor/presença que leva a um contato físico prazeroso).Não custa nada, mas custa muito, porque custa sentimentos do coração, como dedicação, preocupação, carinho, aconchego, afagos  sempre que possível. Mesmo constituindo enorme satisfação  e verdadeiro deleite, estas coisas boas da vida não afastam de todo uma pontinha de  ciúme, de nostalgia...

Saudade, palavra de que nos orgulhamos porque intraduzível  para outras línguas,  não é vivida exclusivamente no passado. Sente-se saudade do futuro, situação que não pode ser confundida com desejo, com esperança , com o querer e desejar alcançar seja o que for. Um amor, um emprego, uma licenciatura. É muito mais, é saudade do que pode acontecer.

Tenho saudade do futuro , de um amor dedicado e sincero, desses que pedem  constantes  beijos , contatos físicos sem melosidade e quase sem palavras, mas com doçura  e cuja comunicação se dá através de simples olhares , de um toque de mãos, de um sorriso , uma conversa  sem pretensões, um conversa pela conversa, só para estar juntos.

Tenho saudades do futuro, de um simples passeio a pé pela praia de mãos dadas ou não, de uma caminhada pelos caminhos estreitos entre árvores ou mesmo mato rasteiro., de ouvir os sons que vêm do mato, do cheiro de cada trecho do caminho ( sim, cada plantação exala um cheio próprio,), de sentar em uma pedra mais elevada na  estradinha e conversar, sorrir, sorrir de nada, somente sorrir juntos .

Tenho saudades de sentar numa  mesa de um café, tomar um chá, falar sobre o tempo, sobre os livros lidos ou que serão lidos, de filmes, de peças de teatro, do que poderá vir a acontecer , de ficar juntos  e até da possibilidade tristonha de ocorrer um afastamento,  da imortalidade do amor, ( há vida além da vida?  E se houver, o amor acompanhará a nova vida?

Tenho saudades  também dos futuros amigos  com os quais vamos sendo premiados e , que vão substituindo aqueles que  o tempo vai levando  no curso da existência,  seguindo o endereço natural da vida.

Tenho saudades do futuro, da minha casa, dos livros esparramados pelo chão, pelas poltronas, pela cama, dos discos postos ao acaso nas estantes e nas mesas, dos recortes dos jornais lidos, dos artigos e trabalhos ouros que ainda vou escrever ( espero que muitos e por um bom tempo), das árvores do meu quintal que dão frutos verdes, vermelhos, amarelos, roxos, sempre beliscados pelos pássaros e até por estes inteiramente comidos.

Tenho saudades do futuro, enfim,   do amor que não sei se virá.

Salvador, 14 de abril de 2010.


Eurípedes  Brito  Cunha

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