quarta-feira, 18 de maio de 2011

12 DE JUNHO DE 2010

Aproveitei o feriado para reler  Kafka, O Processo, naturalmente, quando recebi a visita de fraternal amigo, cuja presença sempre é uma satisfação, boa prosa, inteligente, culto, amante da boa literatura, enfim, uma companhia desejável. Achei- o meio tristonho, espírito opaco e  diferente do habitual. Naturalmente, deixei passar os primeiros momentos,  falamos sobre a chuva que destruíra uma parte das belas mangueiras do meu quintal, sobre o aumento da temperatura, mesmo levando-se em conta a chuvarada e divagamos um pouco sobre assuntos triviais.ainda que soubéssemos que a sua visita tinha uma finalidade diversa das ouras, aquelas realmente espontâneas, livre de assuntos, como aquele tema das  assembléia de condomínios - sempre “o que ocorrer”.

Sentamos à beira da piscina, peguei uma garrafa de Pinot Noir chileno, considerado de boa cepa, tomamos uns gole e falei como se naquele momento tivessem chegado à minha memória,  como se o fizesse por acaso: o 12 de junho está às portas,  e o presente, companheiro? Silêncio pesado só interrompido de modo gratificante pelos insistentes passarinhos canoros. Algum tempo levamos nesse silêncio “ensurdecedor”,  enquanto olhávamos para as sobras  das árvores no chão, troncos escurecidos, folhas amareladas...

Companheiro, você sabe que ela veio passar uns dias aqui comigo e  calhou de ser dia 12 de junho, então, sem prévio convite, levei-a  para almoçar já ao cair da tarde, em um belo restaurante, ( comida japonesa, mas sem muita comida japonesa, verduras na  grelha, e ouras com nome estranhos mas não suschi, ao qual não sou muito chegado), um bom vinho   português, e muita conversa alegre, felicidade, o aconchego e a beleza  do mar da Baia  de Todos os Santos, até que o sol veio aos poucos escondendo - se para as bandas de Itaparica, avermelhado, uma bola de foto caindo no mar distante. Um beijo de  despedida do almoço ( jantar?  Almoço ajantarado?)  e mais uma surpresa: entreguei-lhe o anel de ouro que mandei fazer para ela , encimado por uma placa na qual encontravam-se algumas pedrinhas vermelhar de granada. Alegria total. Sorrisos , mais beijos, abraços cheios de amor e de prazer , quase um agradecimento ao destino por estarmos juntos.

Em casa, ( não poderia ser diferente), o amor mais doce , mais forte, mais caloroso, agradecimentos. Só felicidade. Que bom... pensei. E o tempo passou.Saímos, teatros, filmes em casa. Atividades todas que foram rareando, fomos nos desencontrando, “ela não veio para almoçar”, “ titia veio pega-la e saíram “ ( sempre em pareceu que ela se aproximava bem dos homoafetivos, o que nunca representou preocupação para mim), e jamais houve uma informação , uma conversa sobre suas atividades, e com o passar to tempo, a  ausências silenciosas tornaram-se noturnas ( “acho que  ela foi ao teatro”  e  sempre ficava no “acho “ que a administradora doméstica dizia.

No correr do tempo, os contatos e conversas passaram ao silêncio total. ( De muita conversa ela nunca foi, mas falava às vezes). Comecei a notar a falta de  coisas em casa e até o esvaziamento da geladeira, ( “ dr. Não tem o de comer, não  nada foi comprado” – pensava eu : para onde estaria indo o abastecimento contínuo depositado na conta dela ?). Evidente eu não sabia, mas as duas “titias”  que saiam com ela não a exploravam, tenho certeza, até porque são pessoas de boa fortuna.

Junto com o silencio cada dia mais duro, acentuaram-se os telefonemas às escondidas,   diários, à noite eram infalíveis. Nunca soube eu dos seus destinatários, não sou de bisbilhotar.

Já com os sentimentos estraçalhados – o silêncio é mais cruel do que muitas palavras, pois traduz desprezo, o seu alvo nem merece uma  palavra  mesmo ofensiva que seja , um xingamento. Merece o desprezo, como se não existisse. Não tivesse a menor importância.

E o 12 de junho, meus Deus, não significou nada?  Era, em verdade, como se jamais tivesse existido.Os passeios, as longas viagens, a Europa? Nada tudo não valia nada. Fora só mesmo o proveito de tudo, aproveitara-se e cansara-se. Melhor a companhia das velha “ titias” ( os velhos homoafetivos   e homoafetivos velhos) . E as amigas  e não sei quem mais.

Parado em pé defronte do nada ( não conseguia distinguir as coisas à minha gente, eu nem estava ali ),  não tive como evitar a lembrança do 12 de junho, e comecei a me lembrar, sem esforço, das amigas dela que conheci , tristemente conheci, e vi duas  viúvas idosas que jamais viveram um grande  amor com os falecidos; as  duas “titias”;  uma solteirona idosa, sozinha e que , já aos 60 anos conseguira um jovem namorado também homo,  e a  abandonara depois de alguns meses de convivência; outra sozinha num belo apartamento sempre redecorado. Parei aí, acho que acordei, daquele pesadelo. Todos os seus amigos são infelizes, tristes. E me veio a pergunta, como poderia ela viver feliz , aceitar ser feliz, ter alegria, rodeada de tanta  tristeza e infelicidade.

Ainda assim, o amor impulsionou-se e lhe disse que a sentia triste, o que estava ocorrendo e o que podia em fazer para corrigir aquela situação, pois eu a queria alegre, feliz. Não consegui obter nenhuma resposta. Fui ao psquiatra. Narrei-lhe o meu drama e soube  que ela padece de uma  pscopatia que se traduz em sentir felicidade na infelicidade, por isso que ela só se aproxima de pessoas infelizes. Alertou-me para a levasse ao seu consultório, mas ela não aceitou,  embora eu não tivesse  sido bem clarão sobre sua moléstia. Apenas queria afastar aquela tristeza, aquele silencia que tomava conta da casa,  dos empregados, até parecia impregnar-se nas paredes  , nos objetos, nas plantas, nas árvores. Nada consegui.

Uma sexta-feira, ao chegar para o almoço ajantarado, ouvi a notícia simples, direta e seca: “ela foi embora”. Mas  para onde?  “Não disse”.

Mudo e quedo, ( comi disse Camões), fiquei. E quem fui  para no hospital fui eu, amigo,  pressão sobre, não diziam os médicos, agora desceu, ele está com os lábios roxos, está amarelo, é  infarto, não  é põe isto põe aqui no soro, oxigênio. Eu dia e vinha ( voltava a ouvir alguma coisas para, em seguida, desaparecer tudo), até que fui fixando-me na  quase normalidade da pressão arterial, com apenas um derrame em um dos olhos, que poucos dias depois passou.

Restou a lembrança que não quer ir embora. E Não irá jamais, me disse o médico. Nem tente esquecer, é pior. Deixe as coisas fluírem e mais, saber a razão do silencia e da fuga, é segredo que jamais serão revelados. Desista , amigo.E é o que venho tentando.

Mas fica a lição que não é minha, mas de todos : o amor dá vida, dá alegria e felicidade, mas o amor também pode matar, meu querido amigo.

Vamos a mais um Pinot Noir e uns queijinho, ta?




  


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