Dia
de Itapary – 6-12-12
Em
toda a minha vida, jamais vi ambiente mais desesperador. Desde menino acostumado
a ver os verdes campos da Baixada Maranhense sempre cheios de vida, retornei de
viagem de três dias pela Região angustiado e aflito com a miséria causada pela
longa e severa estiagem que castiga a quase totalidade de sua indefesa
população. Como se fora imerecida pena imposta por um deus irado, o fogo se
alastra em infernais labaredas, queimando tudo nos campos esturricados, calcinados
pelo sol. As águas sumiram, como se, repentinamente, enorme goela sedenta
houvesse sugado até a última gota dos lagos e igarapés piscosos. Os animais de
criação que ainda resistem perambulam por entre a névoa de fumo e cinzas,
desnorteados, famélicos, sedentos, esqueléticos. Até os resistentes búfalos mugem
doridamente, de sede e fome. Encalhadas no meio dos campos ressequidos
apodrecem carcaças de animais e as canoas e os cochos dos pescadores sem peixes.
Tarrafas, socós, espinhéis são coisas sem qualquer serventia. Acabaram-se,
feneceram os imensos maciços das altas lanças do guarimã, abrigo, ninho,
criatório e pasto das aves do campo. Debandaram as elegantes e ariscas jaçanãs,
os socós, as irrequietas japiaçocas, os carões, as marrecas, os patos selvagens.
Os campos são desertos onde o ar quente levanta redemoinhos de poeira. A vida
se foi. Acabaram-se as presas dos caburés, das corujas, dos gaviões gué-gué, dos
caracarás e carijós. Famintos e agressivos, urubus assediam as vilas e as
cidades à cata de restos no lixo de um povo pobre, que também não tem o de
comer. Nos fins de tarde, ninguém mais contempla a bela revoada das garças
reais em busca do repouso noturno nos manguezais. Nos ranchos de pindoba, isolados
na imensidão dos campos desertos, o desalento escalavra a face e encova olhos
sem brilho de homens e mulheres desesperados com o choro de fome e sede da
filharada. Como de resto ocorre em todo o Maranhão, tudo o que é de comer vem
de fora; até a farinha! O quadro é da mais absoluta e fidedigna calamidade
pública. Entretanto, não se ouve nenhuma palavra, não se sabe de nenhum gesto
de qualquer autoridade estadual ou municipal para minorar o sofrimento daqueles
filhos de Deus. Como sempre, deputados, prefeitos, vereadores não emitem um pio,
não movem uma palha, em favor dos eternamente pobres e hoje miseráveis
habitantes dos campos, largados ao Deus-dará. Hoje, no Maranhão, só fala sobre
as estatísticas de exportação de “commodities” pelo porto de Itaqui, sobre os quilométricos
trens e os monstruosos navios da Vale; há frenesi nos meios políticos com o gás
e o petróleo do Eike, com a maior fábrica de celulose do mundo, com a ainda
quimérica refinaria Premium, com a ampliação da Alumar e com evidente perspectiva
de toneladas de ouro do noroeste; há euforia com a novidade dos aços planos e
dos cabos de alumínio, com o terminal de grãos de soja. Mas, nada disso serve
diretamente ao povo. Não emprega ninguém. Ninguém come cabo de alumínio, nem
grão de soja, nem petróleo ou minério algum. Ninguém do povo comerá jamais uma
bolachinha ou uma cuia de tiquara paga com lucros da Suzano, da Vale, da OGX,
do Tegram, da Alumar, da Petrobrás. Porque, em verdade, das necessidades imediatas
da vida e da morte do povo, propriamente dito, ninguém quer saber. O hospital
(?) de São Bento está em estado lastimável; pessoa alguma será capaz de
imaginar ou conceber algo pior em termos de saúde pública. Enquanto um operoso
secretário de estado anuncia um programa de 70 quilômetros de diques e
barragens, para manter água doce represada nos campos da baixada e evitar a
salinização dos mesmos, a pequena barragem de São Bento a Bacurituba está se
arruinando, à falta de conservação elementar. Provavelmente, não aguentará as
chuvas do próximo inverno. Na mesma situação encontram-se as estradas e as
escolas. Enfim, enquanto se comemora o aumento da riqueza dos milionários e
suas portentosas empresas instaladas com subsídios do erário, cumulados de mil
favores e facilidades, o povo continua na miséria de sempre. Riqueza e alegria de
pouquíssimos, miséria e dor de quase todos. Será isso desenvolvimento? Para os
que têm Fé, só lhes resta a esperança em um Deus os acuda.
jitapary@uol.com.br
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