quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Que Deus os acuda


Dia de Itapary – 6-12-12

Em toda a minha vida, jamais vi ambiente mais desesperador. Desde menino acostumado a ver os verdes campos da Baixada Maranhense sempre cheios de vida, retornei de viagem de três dias pela Região angustiado e aflito com a miséria causada pela longa e severa estiagem que castiga a quase totalidade de sua indefesa população. Como se fora imerecida pena imposta por um deus irado, o fogo se alastra em infernais labaredas, queimando tudo nos campos esturricados, calcinados pelo sol. As águas sumiram, como se, repentinamente, enorme goela sedenta houvesse sugado até a última gota dos lagos e igarapés piscosos. Os animais de criação que ainda resistem perambulam por entre a névoa de fumo e cinzas, desnorteados, famélicos, sedentos, esqueléticos. Até os resistentes búfalos mugem doridamente, de sede e fome. Encalhadas no meio dos campos ressequidos apodrecem carcaças de animais e as canoas e os cochos dos pescadores sem peixes. Tarrafas, socós, espinhéis são coisas sem qualquer serventia. Acabaram-se, feneceram os imensos maciços das altas lanças do guarimã, abrigo, ninho, criatório e pasto das aves do campo. Debandaram as elegantes e ariscas jaçanãs, os socós, as irrequietas japiaçocas, os carões, as marrecas, os patos selvagens. Os campos são desertos onde o ar quente levanta redemoinhos de poeira. A vida se foi. Acabaram-se as presas dos caburés, das corujas, dos gaviões gué-gué, dos caracarás e carijós. Famintos e agressivos, urubus assediam as vilas e as cidades à cata de restos no lixo de um povo pobre, que também não tem o de comer. Nos fins de tarde, ninguém mais contempla a bela revoada das garças reais em busca do repouso noturno nos manguezais. Nos ranchos de pindoba, isolados na imensidão dos campos desertos, o desalento escalavra a face e encova olhos sem brilho de homens e mulheres desesperados com o choro de fome e sede da filharada. Como de resto ocorre em todo o Maranhão, tudo o que é de comer vem de fora; até a farinha! O quadro é da mais absoluta e fidedigna calamidade pública. Entretanto, não se ouve nenhuma palavra, não se sabe de nenhum gesto de qualquer autoridade estadual ou municipal para minorar o sofrimento daqueles filhos de Deus. Como sempre, deputados, prefeitos, vereadores não emitem um pio, não movem uma palha, em favor dos eternamente pobres e hoje miseráveis habitantes dos campos, largados ao Deus-dará. Hoje, no Maranhão, só fala sobre as estatísticas de exportação de “commodities” pelo porto de Itaqui, sobre os quilométricos trens e os monstruosos navios da Vale; há frenesi nos meios políticos com o gás e o petróleo do Eike, com a maior fábrica de celulose do mundo, com a ainda quimérica refinaria Premium, com a ampliação da Alumar e com evidente perspectiva de toneladas de ouro do noroeste; há euforia com a novidade dos aços planos e dos cabos de alumínio, com o terminal de grãos de soja. Mas, nada disso serve diretamente ao povo. Não emprega ninguém. Ninguém come cabo de alumínio, nem grão de soja, nem petróleo ou minério algum. Ninguém do povo comerá jamais uma bolachinha ou uma cuia de tiquara paga com lucros da Suzano, da Vale, da OGX, do Tegram, da Alumar, da Petrobrás.  Porque, em verdade, das necessidades imediatas da vida e da morte do povo, propriamente dito, ninguém quer saber. O hospital (?) de São Bento está em estado lastimável; pessoa alguma será capaz de imaginar ou conceber algo pior em termos de saúde pública. Enquanto um operoso secretário de estado anuncia um programa de 70 quilômetros de diques e barragens, para manter água doce represada nos campos da baixada e evitar a salinização dos mesmos, a pequena barragem de São Bento a Bacurituba está se arruinando, à falta de conservação elementar. Provavelmente, não aguentará as chuvas do próximo inverno. Na mesma situação encontram-se as estradas e as escolas. Enfim, enquanto se comemora o aumento da riqueza dos milionários e suas portentosas empresas instaladas com subsídios do erário, cumulados de mil favores e facilidades, o povo continua na miséria de sempre. Riqueza e alegria de pouquíssimos, miséria e dor de quase todos. Será isso desenvolvimento? Para os que têm Fé, só lhes resta a esperança em um Deus os acuda.

jitapary@uol.com.br   

 

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