Eurípedes
Quando conheci o advogado Eúrípedes Brito Cunha,
eu já estava com mais de 23 ou 24 anos. Se o tivesse conhecido
adolescente com certeza teria me estruturado
para ter mais qualidade de vida por toda minha existência.
Os bons sentimentos que demonstrou por mim não
estavam condicionados por eu ser filho de A ou irmão de
B. Houve uma simpatia mutua, humana, espiritual.
Nenhum médico neurologista ou psiquiatra que
tive a oportunidade de conhecer para tentar me ajudar a
superar ou amenizar os meus problemas existenciais me
ajudou tanto quanto Eurípedes, que era advogado.
Convivendo com ele, no mínimo aprendi que demonstrar
'~'ntegridade não era evitar cair em qualquer
tentação, mas sair dessas o mais rapidamente possível
quando, percebidas. Integridade não faz com que seja
impossível cometer erros, mas é o que possibilita consertá-
los.
Na mesma convivência entendi que a liberdade desejada
não nos impede de cumprir nossas responsabilidades.
Como alguém poderia considerar-se livre sabendo
que deixou de cumprir suas obrigações? Não fazer o "
que deve ser feito escraviza a própria alma que sente-se
livre quando sente as tarefas cumpridas.
Não recordo se Eurípedes era religioso. Sei que res-
. peitava todas as religiões. Em uma das nossas conversas
conclui que todo mundo quer o livre arbítrio, mas
poucas são as pessoas que o sabem reconhecer em cada
momento em que vivem ou em cada atitude que tomam.
Livre arbítrio não devia ser para todos. Devia ser alcançado
na medida em que houvesse realmente evolução
espiritual que leva a evolução mental.
Para mim, Eurípedes tornou-se um irmão mais
velho. Acima do irmão estava o mestre ou o guru .que
minha mente e alma tanto precisava. Ele tinha o dom
de me valorizar como ser humano. Parece que somente
enxergava a minha capacidade de fazer, de criar, de
gostar de ser útil. Muitas vezes ia com ele para o Fórum
Rui Barbosa ou para o prédio da Justiça do Trabalho.
Ele saltava correndo para as audiências e eu ficava com
o carro dele até surgir uma vaga para estacionar. Gostava
quando eu arrumava os livros na grande estante do
escritório de advocacia que ficava em um prédio na rua
da Bélgica.
Também era comum me dar dinheiro para comprar
do bom e do.melhor visando suprir o apartamento dele
para receber os colegas e amigos nas noites de sexta-feira.
O pessoal começava a chegar ao escritório por volta das
16 horas. Depois seguiam para qualquer barzinho para
o aquecimento com cervejas. Em seguida iam todos para
o apartamento dele ouvir boa música da excelente discoteca,
saborear o melhor em vinhos e uísque importado,
degustando delícias de frutos do mar.
Eurípedes gostava de carros grandes, vistosos, imponentes,
conseqüentemente caros. Certa vez comprou
um Maverick Ford motor V8 na versão mais luxuosa.
Era o veículo dos sonhos de quase todo advogado bem
sucedido. A compra foi feita em uma concessionária autorizada
da Ford da cidade de Feira de Santana. Salvo
engano os proprietários eram clientes dele. No dia marcado
para ir buscar o veículo surgiu uma importante au;-
diência. Ele então telefonou pedindo-me para ir buscar
o carrão. Claro que quase tive um orgasmo. Fui de ônibus
e voltei no lindo automóvel. Lembro que o gerente
da concessionária estava meio indeciso em me entregar
o veículo. Olhe que levei um bilhete por escrito autori- .
zando a entrega. Antes disso, Eurípedes tinha telefonado
dizendo que eu ia pegar o carro. Mesmo assim o gerente
estava cabreiro. Tive que circular em algumas ruas da
cidade para ele conferir minha performance.
O que não faltou na minha vida foram pessoas como
o gerente da concessionária duvidando da minha competência.
Escasso pessoas como Eurípedes. Se existissem
mais pessoas como ele na minha estrada da vida eu poderia
ter sido um pouco mais feliz ou menos infeliz.
POf.toda a existência meu pai deve ter comprado em
agências uns quatro ou cinco carros zerinho. O mais imponente
um Opala GM branco. Nenhum deles eu tive o
prazer de tirar da concessionária.
Também foi Eurípedes quem assinou a minha primeira
carteira de trabalho como se empregado fosse do
escritório dele. Além de assinar fazia as contribuições
previstas pelas leis do trabalho. Graças a ele tive acesso a
previdência social. Quando meu primeiro filho nasceu,
a primeira pessoa que apareceu na maternidade para
visitar foi ele. Pensei em pedi-lo para batizar o garoto.
Não me achei à altura de ter aquele expoente do Direito
como meu compadre
Com os meus complexos de inferioridade terminei
distanciando-me de Eurípedes. O escritório dele na rua
da Bélgica terminou. Pelo que sei, está em moderníssimo
escritório no Itaigara. Atua com o filho que tem o
mesmo nome. A última vez que estive com ele foi no
enterro de meu pai.
Enquan~o vida tiver e se não tiver o Mal de Alzaimer
o prof Dr. Eurípedes Brito Cunha será sempre sinônimo
de dignidade humana. Pena que não encontrei na
medicina ninguém que fizesse por mim o que ele como
advogado fez como ser humano.
Por merecimento foi eleito Presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil, secção Bahia. Salvo engano
por dois mandatos.
Não foi muito feliz no amor. Acho que o grande
amor da vida dele era o Direito. Além do Direito os três
filhos, quero crer, todos advogados como ele
Nenhum comentário:
Postar um comentário